Trata-se da parábola do fariseu e do publicano, contada por Jesus “para alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros” (v.9).
Acredito que muitos de nós já conhecemos essa parábola desde a nossa infância, de modo que chega a ser difícil de fazer comentários a respeito. Talvez fosse mais conveniente deixar a parábola assim como está, pois o próprio texto fala por si só. No entanto, por este texto ser tão conhecido, passamos desapercebidos dos detalhes que estão presentes neste texto.
Neste texto bíblico, Jesus narra a maneira completamente diferente de agir de dois homens, os quais, por sua vez, eram completamente diferentes entre si, sendo um deles um fariseu. Lembramos que os fariseus eram profundos conhecedores do Antigo Testamento e principalmente da Lei de Deus. Eram pessoas que se esforçavam ao extremo para tentar obedecer aos Mandamentos. Os fariseus se achavam perfeitos diante dos homens e diante de Deus, se mostrando como o suprassumo da piedade. Diziam que a sua conduta era irrepreensível. Não admitiam jamais que alguém os acusasse de qualquer coisa pecado, pois diziam que eles não faziam pecados.
Do outro lado, temos um publicano. Os publicanos eram cobradores de impostos para o governo romano. Por isso eram odiados pelos judeus em geral, e, de maneira especial, pelos fariseus, que os consideravam exploradores do povo. Inclusive os culpavam pela miséria que existia em Israel, pois eles se aproveitavam muitas vezes para cobrar mais do que lhes pedia o governo romano. Muitos deles, por causa disto, eram muito ricos. Eram chamados de corruptos e traidores de seu próprio povo.
Estes dois foram ao templo para orar. O fariseu vai absolutamente convencido de que Deus o aceita por causa de seu jeito de ser, do seu comportamento exterior. Ele faz um belo discurso, podendo conquistar a confiança de qualquer pessoa. Ele ora assim: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo que ganho” (v.11-12).
A oração deste fariseu é de agradecimento – não a Deus, como ele pensa, mas um agradecimento a si mesmo. Algo normal para nós, pois podemos louvar a Deus porque ele nos fez quem nós somos – nos fez seu povo e nos deu integridade, cuidando de nossa vida e nos mantendo em nossas necessidades. Mas isto não significa que precisamos desprezar as demais pessoas como fez o fariseu. Muitas vezes olhamos para as outras pessoas e nos sentimos superiores porque achamos que não somos tão maus quanto elas.
Diante de outras pessoas, nos esforçamos para manter as aparências de sermos pessoas boas, cumprindo aparentemente a vontade de Deus, revelada em sua Palavra. No entanto, como diz Martinho Lutero, “mesmo que você guarde a lei externamente, com boas obras, por causa do medo de ser punido, ou porque ama a recompensa, todavia, se você faz tudo isso de má vontade, sem prazer e amor pela Lei, mas com relutância e sob compulsão. Então você odeia a Lei. E se a Lei não estivesse ali você iria preferir agir de outro modo, ou seja, se tentarmos agradar a Deus através das nossas obras, então estamos no caminho errado. Ninguém será aceito por Deus praticando obras da lei, porque ninguém pode cumprir a lei. Quem quer se salvar, chegar a Deus, por causa do que faz, esse chega tarde demais. Não entra no reino do céu, e permanece longe do Senhor Deus! Pelas obras da lei merecemos apenas e unicamente o abismo do inferno, longe de Deus.
Mas assim como o publicano, a única coisa que conseguimos fazer, com auxílio do Espírito Santo, é clamar do fundo do coração: “Ó Deus, tem pena de mim, que sou pecador” (v.13). Como o publicano, não temos nada a apresentar diante de Deus (somente os nossos pecados). No entanto, temos tudo a receber, sobretudo receber o amor de Deus. Ele fez com que seu Filho, que era 100% justo, fosse castigado como o maior de todos os pecadores, carregando sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores para que assim Deus pudesse nos declarar justos.
Assim, somos salvos pela graça de Deus e não precisamos fazer nada para a nossa salvação, pois isso seria impossível para nós. Mas como para Deus tudo é possível, por amor a nós, Deus mesmo garantiu a nossa salvação, quando enviou o seu Filho Jesus Cristo para ser o sacrifício pelos pecados de todo o mundo, para que todos os seres humanos tenham vida por meio dele (1Jo 4.9-10). Jesus veio para pagar o preço pelos nossos pecados, nos dando perdão, vida eterna e salvação. Porém, não fez isso “com ouro e prata, mas com o seu santo e precioso sangue e sua inocente paixão e morte, [tudo isso] para que lhe pertençamos e vivamos submissos a ele, em seu reino, e o sirva em eterna justiça e bem-aventurança”.
Aliás, falando em reino, o texto do Evangelho continua, e nos mostra a ocasião onde Jesus abençoa as crianças. Uma frase dita por Jesus chama atenção, quando diz: “Quem não receber o Reino de Deus como uma criança de maneira nenhuma entrará nele” (v.17), ou seja, ninguém recebe o Reino de Deus sem ser como uma criança. Podemos nos perguntar: de que forma isto pode ocorrer? Evidentemente que é sem trazer os seus méritos e apresentar todos os seus feitos diante de Deus, dizendo “tudo isso eu já fiz”, como o fariseu. Assim como o publicano, não temos nada a apresentar, mas tenho tudo a receber. Por isso, podemos também dizer que a inclusão dos pequeninos no Reino de Deus, desde o Batismo, é o melhor exemplo da salvação pela graça de Deus mediante a fé, pois não tem obra nenhuma, não fizeram nada – só tem a receber os méritos conquistados por Cristo e dados para elas no Batismo através do Espírito Santo.
Dessa forma, meus irmãos, ninguém precisa se auto justificar diante de Deus, pois Cristo já justificou a cada um de nós com sua morte. Somos salvos pela graça de Deus, mediante a fé em Cristo. Isto não vem de nós, mas é dom de Deus que recebemos pelo Espírito Santo. Sendo assim, podemos pedir também como o salmista: “SENHOR, guia-me na tua justiça, [...] endireita diante de mim o teu caminho” (Sl 5.8), pois o próprio Deus nos defende de todos os perigos e nos cerca com a sua bondade, para nos levar a “salvo para o seu Reino celestial. [Por isso], a ele, glória para todo o sempre. Amém!” (2Tm 4.18).
Rev. Artur Charczuk
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